INTERAÇÃO COM O METAVERSO
O Metaverso está próximo de nós, entenda em detalhes no artigo de Emílio Teixeira.
O conceito de um Metaverso surgiu há algumas décadas.
Mas a atenção das pessoas e da mídia aumentou em 2021, com o anúncio do Facebook de que iria se tornar “Meta”. Algumas iniciativas também já se apresentam como ambientes de Metaverso, como Decentraland, Sandbox e Somniumspace [1][2][3], mostrando que temos no momento “Metaversos”, não um único “Metaverso”. Entretanto, ainda é uma fase inicial, onde as pessoas estão tomando conhecimento dos serviços oferecidos e das tecnologias para acessá-los. E os fornecedores desses serviços ainda estão avaliando os modelos de negócios, a melhor forma de prestar os serviços, e as possibilidades dos usuários de interagir com eles no Metaverso. Como acontece em qualquer tecnologia ou tendência, existem os precursores. Foi realizado o primeiro casamento com noivos brasileiros em um Metaverso (Decentraland) em março de 2022 [4].
Não foi apenas uma simulação de “festa” no Metaverso, foram utilizados os elementos desse ambiente que são equivalentes aos elementos reais.
Foi criado lá um ambiente virtual para a cerimônia e os convidados, o ato foi registrado em um smart contract (contratos em blockchain) e as lembranças dadas aos convidados foram em NFT (tokens não-fungíveis, ativos digitais únicos).
[Foto: Ryan e Candice Hurley de Phoenix se tornaram o primeiro casal a dar o nó com suas identidades digitais durante no primeiro casamento no Metaverso. A cerimônia de casamento no Decentraland foi testemunhada pelo juiz da Suprema Corte Clint Bolick e uma multidão virtual de 2.000 convidados no dia 5 de fevereiro.
O conceito do Metaverso é que ele seja um espelho do mundo real. E para que isso aconteça, uma das questões que geram mais dúvidas é como o mundo virtual se relaciona com o mundo real. Ou seja, como as coisas que acontecem no Metaverso podem se relacionar com as coisas que acontecem no mundo real e vice-versa.
- Como eu posso “entrar” e “sair” do Metaverso?
- Como as atividades que eu desenvolvo “lá” podem ter consequências “aqui”?
- Posso estar “lá” e “aqui” ao mesmo tempo?
- Onde é “lá” e onde é “aqui”?
Para responder às questões apresentadas, é necessário primeiro definir o que é o Metaverso e depois verificar de que formas nós podemos interagir com ele.
O Metaverso é um site na web, dentro da Internet.
Os primeiros sites na web eram apenas páginas onde basicamente se acessava informações, como na leitura de um jornal. Era a Web 1.0. Posteriormente, os sites ficaram mais interativos, onde pudemos fazer mais atividades como compras e interagir em redes sociais. A Web 2.0. E agora, estamos entrando na fase dos sites na web com novas funções, entre elas o Metaverso. É a Web 3.0 (ou Web3). A característica do Metaverso é permitir que o usuário “entre” em um site da web de forma virtual com um avatar, uma representação digital de si mesmo. Esse avatar é que vai interagir num ambiente virtual, uma cópia sua do mundo real, idealmente com todas as interações do mundo físico acontecendo no mundo virtual. É uma via bidirecional, ações feitas no mundo virtual acontecem no mundo real e ações no mundo real acontecem no mundo virtual. Para ter esse tipo de interação, hoje é necessário usar diversos equipamentos e dispositivos tecnológicos que dão uma sensação para a pessoa, usuária do sistema, de estar experimentando nos seus sentidos físicos aquilo que está acontecendo no mundo virtual. Essa condição é a imersão, onde a pessoa se sente “dentro” do mundo virtual e sente que ele também é real. Com essas características, é possível termos no Metaverso todas as atividades que temos no nosso dia a dia, no mundo real. Interagir com as pessoas, trabalhar, fazer compras, assistir aulas, fazer consultas médicas, ir ao banco, percorrer ambientes, se deslocar entre localidades, dirigir automóveis, visitar museus, jogar bola, fazer turismo, casar, tudo isso por meio do seu avatar. Nessas condições de imersão, a idéia de que estamos “aqui” no mundo real ou “lá” no Metaverso ficaria bem tênue, como se os dois mundos fossem um só. Para sentirmos que saímos do Metaverso, teríamos que desligar e retirar os equipamentos e dispositivos que estivéssemos usando para isso.
Antes de pensar em como entrar no Metaverso, a dúvida que pode surgir inicialmente para muitas pessoas é por que eu precisaria entrar no Metaverso.
E para os empreendedores que querem fornecer serviços no Metaverso e para os fornecedores da infraestrutura de acesso ao Metaverso (equipamentos, dispositivos, telecomunicações, sistemas, etc) a dúvida é se as pessoas querem entrar no Metaverso.
Para tentar responder essas questões, podemos olhar para o passado, para outras tecnologias e como elas evoluíram ao longo do tempo. Uma tecnologia que já tem quase duzentos anos é a fotografia. A primeira fotografia foi feita em 1826, atribuída ao francês Niépce [5]. Até essa invenção, não existia uma forma de capturar o mundo real e registrá-lo como informação. Existia o desenho, a pintura, mas eram um tipo de representação indireta, dependente de um ser humano capaz de produzir esse registro conforme a sua visão pessoal. A fotografia foi aceita pelas pessoas, que passaram a querer registrar a si mesmas, os seus familiares, suas casas, enfim, o seu mundo. A possibilidade de registrar imagens estimulou a curiosidade humana a se perguntar se seria possível registrar o movimento com uma sequência de fotografias.
A primeira exibição pública dessa técnica em 1895, pelos Irmãos Lumière [6], foi chamada de cinematografia ou simplesmente cinema. Uma sequência de fotografias sendo projetada em uma sequência acima de 16 fotos por segundo criava a ilusão de continuidade, de movimento. Essa técnica levou o teatro, por exemplo, uma arte que só era possível de ser vista no momento e no local em que era encenada, a se tornar uma informação que poderia ser vista em qualquer lugar e a qualquer tempo, na forma de um filme. Os primeiros filmes eram em preto e branco, mas sabemos que a realidade é colorida. Em 1902 foi feito o primeiro filme a cores [7]. Faltava uma informação importante para tornar esse registro mais realista, o som. Em 1926, o primeiro filme com som estreiou em Nova York [7]. Faltava ainda um elemento para tornar o filme ainda mais próximo da nossa realidade, a terceira dimensão. Em 1952 estreiou o primeiro filme em cores 3D [7], com a ilusão de profundidade.
Essa sequência de evoluções e de tecnologias associadas ao registro de imagens mostra a tendência, o desejo do ser humano de ter uma experiência visual imersiva que represente a sua realidade.
Outra tecnologia que podemos analisar é o rádio. Após a invenção do rádio por Marconi (ou Tesla, segundo outras fontes), Lee de Forest [8], criador da válvula termiônica (tríodo), fez sua primeira transmissão para testes em 1906. As primeiras transmissões para entretenimento foram em 1920. O dispositivo receptor de rádio era relativamente grande e pesado, tinha que ser ligado em uma tomada elétrica na sala de estar, com um consumo de energia considerável devido aos seus componentes (válvulas termiônicas). A qualidade de som era aceitável para voz mas baixa para a música. Em 1933, Edwin Armstrong inventou a transmissão em FM [9] (a anterior era em AM, o tipo de modulação do sinal), que permitia uma qualidade de som mais alta, considerada de “alta fidelidade”. Posteriormente, foi acrescentada uma evolução que permitia uma divisão do som em dois canais, a estereofonia. Essa tecnologia fornece à pessoa que está ouvindo a sensação espacial do som, ela conseque identificar de que posição o som está vindo.
A soma de mais qualidade com sensação de posição se aproxima mais da informação de som do mundo real, permitindo aqui também uma experiência mais imersiva. Em paralelo, uma outra evolução tecnológica foi decisiva para observarmos mais uma tendência, mais um desejo do ser humano, a mobilidade. A invenção do transístor em 1947 por Bardeen, Brattain e Shockley [10], permitiu a construção de dispositivos com esse componente menor, mais leve e que consumia muito menos energia que a válvula termiônica, além de ser mais barato.
O primeiro rádio transistorizado de bolso de “produção” foi lançado em 1954 [10]. Alimentado com pilhas pequenas (AA), ele se tornou um tipo de rádio muito popular, sendo usado em todos os lugares. Por décadas, em estádios de futebol, grande parte dos milhares de torcedores presentes eram vistos com esse rádio nas mãos, ouvindo nele a narração do jogo que estavam assistindo. A evolução dos semicondutores, dos transístores e circuitos integrados em geral, levou ao desenvolvimento de dispositivos portáteis de mais alta qualidade, com modulação FM, estereofonia e até reprodução de fitas cassete de áudio. Usando esta configuração, foi lançado em 1979 o Walkman, da Sony [11]. Alimentado por 4 pilhas pequenas (AA) e com um par de fones de ouvido de alta qualidade, uma pessoa poderia ouvir suas músicas favoritas em fita cassete ou sintonizado em uma estação de rádio em qualquer lugar. E com uma experiência sonora imersiva. Esses exemplos de evolução das tecnologias ao longo do tempo mostram o desejo do ser humano de ter uma experiência imersiva, seja ela sonora, visual ou de outra natureza. E, se possível, em qualquer lugar. Um indício muito forte de que o Metaverso, com sua característica imersiva e acessivel em rede, pode ser uma tendência dentro das novas tecnologias, dependendo das condições em que ele consiga refletir o mundo real e fornecer essa imersão.
Para que tenhamos todas as possibilidades de experimentar o Metaverso em condições ideais de uma experiência com imersão, com a sensação de estarmos nos deslocando dentro de um mundo em três dimensões (3D), hoje são necessários dispositivos específicos para cada tipo de interação. Eles estão relacionados a cada um dos sentidos humanos, que fazem a nossa interação com o mundo à nossa volta. Os tipos de interação que podemos ter com os dispositivos são classificados em realidade virtual (RV ou VR) [12], realidade aumentada (RA ou AR) [12], realidade mista (RM ou MR) [13] e realidade estendida (RX ou XR) [12].
A RV é um ambiente virtual semelhante ao real, criado por computação gráfica, onde o objetivo é que o usuário se sinta dentro dele, podendo interagir com esse ambiente. A RA é uma integração de informações virtuais no mundo real através de um display e um sistema óptico, com o uso de sensores de movimento (giroscópio, acelerômetro, etc.), onde o usuário adiciona informações do mundo virtual no seu mundo real. A RM é a soma das características da realidade virtual com a realidade aumentada. Varia de ambientes completamente reais a ambientes completamente virtuais, obtendo imagens do mundo real através de câmeras de vídeo e de sensores, de forma que essas imagens e informações reais possam ser integradas às imagens de computação gráfica e outras informações virtuais, permitindo interação.
A parcela real e a parcela virtual nesse sistema vai depender da aplicação.
A RX é a interação mais generalizada de todas. Soma ambientes reais e virtuais com interações homem-máquina geradas por tecnologia de computador e dispositivos vestíveis (wearables) ou para serem usados em contato com o corpo, capazes de receber informações sensoriais e transmitir ações para o sistema ou avatar.
Permite obter a sensação de realismo e a experiência mais imersiva possível. RX é a forma mais
completa de interação com o Metaverso.
Com as tecnologias disponíveis hoje, os principais dispositivos para termos essas interações entre o real e o virtual são aqueles relacionados com a visão e a audição. São os dispositivos de imagem e som montados na cabeça (HMD – Head Mounted Display). Eles vieram de uma evolução de décadas, que aconteceu principalmente na área militar, para simulações. Posteriormente, a indústria de jogos entrou nessa área e recentemente, também outras empresas com diversas aplicações.
O primeiro HMD comercial, o EyePhone da empresa VPL Research, foi lançado em 1989. O Oculus Rift, para ser conectado ao PC, foi lançado em 2010 (a empresa foi adquirida em 2014 pelo Facebook). O Google lançou o Cardboard em 2015, um HMD para ser montado com materiais baratos pelos próprios usuários e usando um smartphone dentro dele. A Microsoft em 2017 e a Sony em 2019 também lançaram seus HMD para uso em seus jogos. Samsung, Lenovo e HTC também lançaram os seus modelos. Eles são os HMD para uso em RV, onde podemos ter três tipos de processamento de som e imagem: no Smatphone (como no caso do Cardboard), em um console de jogos, no PC ou computador onde ele estiver conectado (como no caso do Oculus Rift) ou processar
no hardware do prórpio HMD (Standalone VR, como o HTC Vive Focus [14]). Este tipo é indicado para jogos, além de sensores ele tem diversos acessórios, como controladores e posicionadores.
Nesses dispositivos para RV, o usuário se vê dentro de um mundo virtual, que pode ser um jogo ou o imóvel que ele pretende comprar e ainda nem foi construído. A outra possibilidade de interação é a RA. Na RA não existe imersão somente virtual como na RV. O usuário recebe informações virtuais que são adicionadas às do seu mundo real. Ele pode, por exemplo, estar observando um motor em funcionamento no mundo real e ao mesmo tempo observar uma informação gerada por computação gráfica do funcionamento interno desse motor sobreposta à sua imagem, além de informações da temperatura e rotação, em tempo real. O Google Glass foi o primeiro HMD RA com lançamento comercial em larga escala. Como ele precisa interagir também com o mundo real, tem sensores de posicionamento incorporados, câmera de vídeo e sistemas ópticos. Tem uma conexão à Internet e precisa de software específico. Na RM, como temos tanto o real como o virtual juntos, é basicamente um sistema de RV com uma câmera externa que capta a informação do mundo real.
Pode ser um dispositivo específico e também pode ser um smartphone mostrando o mundo virtual na sua tela e com sua câmera traseira captando as imagens reais, numa estrutura semelhante ao Cardboard. E finalmente a RX, onde o dispositivo passa a ter acesso mais completo ao usuário do sistema, com o uso de luvas com sensores de posição e função háptica (sensação física de tocar os objetos virtuais) ou mesmo sensores distribuídos em várias partes do corpo, que permitiriam ao sistema atuar em um avatar no mundo virtual, dando a ele exatamente os mesmos movimentos e posições do usuário no mundo real que ele representa e sentir o que o seu avatar sente. Ou ainda atuar em outros sentidos, como olfato e paladar. A princípio, todos os sentidos humanos podem receber informações virtuais do Metaverso via dispositivos físicos no mundo real. Até mesmo nosso cérebro pode ser um elemento de interação, alguns HMD já contam com sensores EEG, EMG, EDA, PPG e rastreamento ocular, como o Galea com Varjo Aero [15].
O conceito de Interface cérebro-computador (Brain-Computer Interface ou BCI).
Ações humanas no mundo físico (como o movimento ou emoções) e mesmo as condições do próprio mundo físico que ele estiver refletindo (temperatura, iluminação, etc.) podem ser enviadas ao Metaverso também via dispositivos físicos.
Já temos essas tecnologias em uso hoje, é a Internet das Coisas (IoT). Portanto, podemos considerar que já temos hoje os dispositivos necessários para interagir (enviar e receber informações) com o Metaverso.
Entretanto, isso não significa necessariamente que essa é a configuração definitiva de acesso ao Metaverso. Todos esses dispositivos que foram citados representam linhas de desenvolvimento de várias tecnologias, que foram sendo reunidas para obter essas funções desde o passado até o presente, não foi trilhada pensando especificamente no Metaverso (que é novo, apesar de ser um conceito de décadas). Esses dispositivos foram desenvolvidos para pesquisa, simulação, medicina, jogos e entretenimento. Se o Metaverso evoluir na direção que estamos observando hoje, a tendência é que tenhamos dispositivos específicos para interagir com ele? Não teríamos então que comprar diversos dispositivos para ter as funções necessárias, como o HMD usado para jogos com diversos itens acessórios e opcionais? Ou usar outros dispositivos que já temos e foram adaptados para isso, como é o caso do Smatphone? Teríamos uma “caixa mágica”, específica para essa função? Para tentar responder essas questões, podemos olhar novamente para o passado, para a evolução de um dispositvo que assumiu uma posição de destaque no nosso dia a dia e que está em uso também nessa função, o Smartphone.
Como Tudo Começou
Tudo começou com a invenção do telefone por Graham Bell, em 1875 [16]. Não foi o primeiro dispositivo a transmitir informações à distância, o telégrafo já era capaz de transmitir palavras em código, por meio de um condutor elétrico. Mas a evolução natural desse processo seria poder transmitir a voz humana, o que foi conseguido com a invenção
do telefone. O aparelho telefônico era conectado a uma central telefônica local e essas centrais a outras centrais, até chegar ao aparelho telefônico de destino. Inicialmente com intervenção humana, e posteriomente de forma automática. A humanidade passou a poder se comunicar com qualquer lugar do mundo onde houvesse essa infraestrutura, a partir de sua própria casa. Ou mesmo na rua, em telefones públicos.
Essa infraestrutura evoluiu por mais de um século, mas o desejo do ser humano da mobilidade também estava presente aqui, de modo que as pesquisas evoluíram para utilizar outra tecnologia, o rádio, como base para criar um telefone móvel. Foi em 1947, nos Laboratórios Bell, EUA [17]. Apesar de terem havido outras iniciativas anteriores, essa propunha o sistema celular, semelhante ao que temos hoje. A empresa sueca Ericsson desenvolveu seu primeiro celular em 1956 [18]. Ele pesava 40Kg e era destinado a ser usado no porta-malas de um automóvel. Mas as pessoas queriam algo que pudesse ser usado de forma mais portátil, em qualquer lugar. A empresa americana Motorola lançou em 1973 o seu modelo [18], com 25cm de comprimento e 7cm de largura, pesando aproximadamente 1Kg. Na década de 1980 vários países criaram uma infraestrurtura para esse tipo de telefone. No Brasil, ele foi lançado em 1992 com o padrão americano AMPS.
Nesse momento, os dispositivos móveis já estavam com uma dimensão e peso em que podiam ser transportados e usados facilmente na mão, com baterias recarregáveis. Esses dispositivos, que tinham a função de comunicação via voz analógica, evoluíram para digital, com sistemas TDMA e também GSM no início da década de 1990, passaram a ser chamados de segunda geração (2G).
Nessa época, o acesso à Internet já estava presente em muitas casas, com os computadores pessoais ligados na rede de telefonia fixa. O desejo natural das pessoas de poder se conectar à Internet também nos telefones móveis veio nessa tecnologia 2G, chamada de GPRS. Era uma rede ainda de baixa velocidade (inicialmente, 115 kbps). Os sites da web precisavam contar com telas específicas para essa velocidade, mais simples e com baixa resolução. Mas na época, era uma novidade muito bem vinda. A partir daí, o desejo das pessoas por velocidades de comunicação de dados e Internet mais rápidas dominou os critérios para a evolução da rede fixa e também da rede móvel celular. Veio o 3G nos anos 2000, com tecnologia UMTS (14,4Mbps). Nessa época, os telefones já incorporavam uma série de dispositivos internos que os tornavam muito mais que telefones. Agenda, calculadora, relógio, jogos, além do acesso a sites da web na Internet. Já eram considerados assistentes pessoais, chamados de PDA. Ficaram famosos os modelos da Nokia e da Blackberry. Mais desejos dos usuários ficaram evidentes, ou seja, ter mais funções no mesmo dispositivo, com mobilidade e Internet.
Em 2007, a Apple lançou o iPhone [19], seu primeiro Smartphone que combinava os recursos do
iPod e do celular, além de novas funcionalidades. Foi o primeiro a vir com acelerômetro e ter
função de tela sensível ao toque, prescindindo dos teclados mecânicos em uso até então.
Tinha o sistema operacional (SO) IOS da Apple. Ele se tornou uma referência e logo os outros fabricantes também lançaram os seus. Google e Samsung com o SO Android e a Microsoft com Windows Mobile. A partir desse momento, o conceito de Smartphone se tornou sinônimo de computador portátil com acesso à Internet, com preço acessível à grande parte da população, principalmente os modelos com SO Android. Em 2020, o SO da Google estava presente em mais de 90% dos Smartphones vendidos no Brasil [20].
Hoje ele é um aparelho versátil, com sensores de proximidade, luz, som, giroscópio, acelerômetro, magnetômetro, termômetro. Contando também com circuitos internos para funções de fotografia, gravação de vídeo, GPS, rádio, TV, WiFi, Bluetooth, além da própria função primordial de telefone e acesso à rede de telecomunicações. E com a possibilidade de o usuário instalar aplicativos (programas) para executar uma infinidade de funções, como em qualquer computador, aproveitando também o uso dos seus sensores e do seu acesso à Internet. É um sistema embarcado sofisticado no bolso das pessoas e se estima que já em 2021, metade da população mundial tinha um Smartphone (3,85 bilhões de pessoas) [21]. Muitos deles com alta resolução de imagem (Full HD), processadores, memória e bateria suficiente para rodar aplicativos exigentes de recursos que eram rodados apenas em desktops, como vídeos e jogos, por exemplo. Evidentemente, nem todos os dispositivos nas mãos das pessoas tem todos esses recursos e capacidades, principalmente em países como o Brasil. Mas hoje já temos no Brasil os Smartphones como a principal plataforma de jogos (48,3%, comparado a consoles e computadores) [22] Também é “uma tendência mundial: em 2021, o mercado de jogos em plataformas móveis (celulares e tablets) movimentou US$ 93,2 bilhões (R$ 468,4 bilhões), 52% de todo o faturamento do setor”. E “33,2% declaram jogar em dispositivos móveis todos os dias”. Jogos como Fortnite e League of Legends, além daqueles já voltados para Smartphone como o Pokemon Go. Portanto, o Metaverso que tem grande proximidade com os jogos (e às vezes se confunde com eles), tem muitas condições de ter o Smartphone como o seu dispositivo de acesso e interação. Podemos então prever que ele poderá ter desenvolvimentos a partir de agora também voltados à interação com o Metaverso.
Um outro fator que pode apontar na direção do dispositivo que será a interface com o Metaverso é o que observamos no nosso dia a dia.
Andando pelas ruas, pelo transporte público, pelas salas de espera ou mesmo dentro das empresas, o que observamos é as pessoas com o Smartphone nas mãos, dedos tocando freneticamente a tela, podendo causar inflamação nos tendões ocasionada por movimentos repetitivos. Durante horas, numa posição de cabeça que a medicina já condenou, por ser prejudicial à coluna [23]. Também observamos as pessoas em seus deslocamentos, andando pelas ruas sem olhar para a frente, olhando para o seu Smartphone e esbarrando nas outras pessoas ou tropeçando nos obstáculos. O que isso pode nos dizer sobre uma possível evolução desse dispositivo? O que isso nos mostra, assim como no passado as pessoas mostraram a outros desenvolvedores, dessa e de outras tecnologias? Evidentemente, o que as pessoas querem ou precisam hoje é um dispositivo que tenha a capacidade de mantê-las ao mesmo tempo no seu mundo real e no mundo “virtual” do Smartphone. Esse dispositivo tem nome, já foi visto, é um dispositivo de RA! Ou eventualmente, de RM. Ou seja, as pessoas estão demandando um dispositivo que permita a elas estarem em dois “mundos” ao mesmo tempo, caminhando, trabalhando, almoçando, se exercitando, e ao mesmo tempo vendo suas redes sociais, e-mails, vídeos, posição no mapa, locais interessantes próximos, saldo bancário e até interagindo com seu avatar no Metaverso. As soluções que temos hoje para RA já são tecnicamente aceitáveis para essa função, como o HoloLens 2 da Microsoft [24] e o Google Glass [25].
A principal dificuldade seria que custam no Brasil, respectivamente, R$ 48.000,00 (US$ 9.000,00) e R$ 18.000,00 (US$ 3.300,00). Um HTC Vive Cosmos Elite para RV custa R$ 4.800,00 (US$ 900,00) no Brasil. Comparado a um Smartphone médio, considerado no momento o melhor custo / benefício de um fabricante (2022), com processador octa-core, 2,8GHz, 128GB de memória e todos os sensores necessários, tela 6,5″ e tecnologia 5G, que tem custo na faixa de R$ 2.000,00 (US$ 370,00), vemos a diferença que isso representa em termos de custo para um usuário. E existem modelos ainda mais baratos de Smartphone com capacidade reconhecida. Seria possível termos dispositivos de RA e RM equivalentes, de outras fontes, de fabricantes mais baratos.
Existem opções de US$ 500,00. Dispositivos HMD para atender às aplicações mais criticas ou usuários mais exigentes continuarão a ter um alto custo, assim como seus desktops e consoles de alta capacidade. Mesmo assim, isso mostra uma demanda, um caminho a ser ainda percorrido. Esses HMD também deverão ter seu preço reduzido com o tempo, como ocorreu em outras tecnologias. Da mesma forma que ocorreu quando da adoção do próprio Smartphone, que foi lançado em 2007 a um custo de R$ 3.200,00 (US$ 599,00) nos EUA, que corrigido a valores de hoje (15 anos depois) seria de aproximadamente US$ 850,00.
Portanto, em função do custo atual e de já estar nas mãos de metade da população mundial, o Smartphone seria o dispositivo ideal para esta função de RA, RM e de acesso ao Metaverso, com eventualmente mais alguns desenvolvimentos específicos e novas capacidades para uso com RV, RA e RM em seu design e circuitos (processador, memória, tela) ao longo do tempo e a adição de mais acessórios para RX?
Existem opiniões divergentes.
Como a da futurista Amy Webb, em 2021 [26], que afirmou: “Os Smartphones são, na verdade, uma tecnologia em extinção. Acho que eles desaparecerão nos próximos dez anos”. Ela prevê uma “You of Things”, uma IoT feita com inúmeros dispositivos que estariam distribuídos em todas as partes do corpo humano, fazendo cada um deles a sua função específica (óculos, anéis, pulseiras e fones de ouvido inteligentes, sistemas para detectar emoções, oxigenação, temperatura, etc.) e enviando por conta própria a sua informação. E cada um deles também interagindo com todos os outros dispositivos IoT externos do ambiente.
Seria um caminho contrário ao atual, onde houve uma concentração e centralização de funções em um único dispositivo, o Smartphone.
A própria Samsung, grande fabricante desses dispositivos, também já está prevendo o fim dos Smartphones [27]. Ela destaca que “a Internet das Coisas (IoT), o 5G, a inteligência artificial (IA) e a mistura de todas essas tecnologias apontam para outros tipos de hardwares, como relógios e roupas inteligentes”. Ela entende que existem “outros dispositivos que já começam a causar um impacto mais amplo no mercado. Como fones de ouvido inteligentes e smartwatches” e que “cada indivíduo, em vez de ter sua própria tela, terá acesso a dispositivos inteligentes interconectados em diferentes locais”, além de “telas flexíveis incorporadas em paredes, veículos, em torno do pulso ou até mesmo no tecido das roupas”. Portanto, nesse cenário as funções para RV, RA, RM, RX e de acesso ao Metaverso seriam feitas por dispositivos totalmente independentes, não teríamos um Smartphone “superdimensionado” com mais funções e muito menos uma “caixa mágica” capaz de fazer tudo sozinha.
Dependemos também de outras tecnologias para termos a experiência RV, RA, RM, RX e de acesso ao Metaverso, que são os softwares. Eles são as ferramentas para a construção dos Metaversos. Aplicativos para processar as informações, que vão rodar nos sites e nos dispositvos, para gerar os ambientes e avatares. Com as questões associadas de segurança, privacidade, finanças, registro de informações, etc. Eles deverão ser integrados e acessíveis o suficiente para que as pessoas consigam interagir com eles. Com a mesma facilidade que hoje os usuários acessam seus Smartphones, sem se preocupar com seu funcionamento, facilmente instalando aplicativos, trocando informações, usando telas sensíveis ao toque e visualizando tudo em telas de alta resolução, o tempo todo.
Lembrando que estaremos cada vez mais interagindo também com as coisas e as próprias coisas entre si (IoT). Interagindo com carros autônomos, casas inteligentes e cidades inteligentes, intermediados por Inteligência Artificial.
Dependemos de uma infraestrutura de rede adequada.
Com uma largura de banda e uma latência na comunicação de dados suficiente, como é o caso de 4G e 5G, para poder transmitir um volume de dados que envolve gráficos de alta resolução (resoluções cada vez mais altas, podendo chegar a 8K) em uma sequência de muitos quadros por segundo (idealmente, 120 quadros por segundo). E em uma rede compatível com essa velocidade e com níveis de segurança, como a Web3. Esse nível de imersão exige também equipamentos ou dispositivos específicos, com capacidade para trabalhar com esse volume de informações, em tempo real. Entretanto, também é possível ter uma experiência de Metaverso em condições menos imersivas, em duas dimensões (2D), com menos realismo, ou mesmo outras experiências de interação virtual e real. Um exemplo disso é o Roblox, que se tornou bastante popular.
Nessas condições, as exigências de rede podem ser bem menores. Equipamentos e dispositivos menos sofisticados podem atender a esse requisito. Um computador comum ligado em uma rede que temos em nossa casa ou mesmo um smartphone que já usamos hoje em uma rede móvel podem fazer esse papel. O serviço que se pretende acessar no Metaverso e a sua relação com o mundo real vai estabelecer a demanda para o tipo de dispositivo que será necessário. E a capacidade ou disponibilidade financeira do usuário do serviço vai ser uma condição para ele ter esse acesso. Não somente a questão do custo de dispositivos e serviços, mas a possibilidade de monetização de informações referentes ao uso e às preferências de cada usuário, obtidas com a permissão dele, pelos provedores de serviços que ele utiliza. A interação com o Metaverso depende, portanto, de diversos fatores. E olhar para o passado, para as tecnologias que já foram desenvolvidas pode ser um incentivo. Aqueles torcedores presentes em estádios, acompanhando nos rádios o jogo que estavam assistindo para ter mais informações sobre o que estavam vendo no campo em tempo real, não deixa de ser um exemplo de “RA antiga”.
O usuário pode ficar satisfeito com uma pequena interação, como nesse caso. É interessante pensar que a solução também não virá apenas da área técnica. Em 1896, pouco mais de um ano após a primeira exibição histórica de um filme que mostrava pessoas saindo de uma fábrica, os Irmãos Lumière exibiram um filme de um trem chegando em uma estação. Foi o suficiente na época para muitas pessoas saírem correndo da sala de exibição, acreditando que aquele trem iria passar por cima delas. Naquele momento, uma imagem em preto e branco, 2D, sem som, foi suficiente para dar uma sensação de imersão e provocar essa reação.
A noção de imersão também tem a ver com o nível de conhecimento, a cultura e as experiências de vida do espectador ou usuário.
A necessidade de imersão também pode levar a níveis de interação ainda maiores do que os já considerados na análise. Os métodos de interação considerados até aqui foram não invasivos. Usam os sentidos (como no caso de vídeo e áudio) ou fazem contato com a pele (eletrodos ou sensores). Mas já existem outras formas de interação, principalmente nas áreas de pesquisa como a Neurociência.
Nesse caso, eletrodos são implantados cirurgicamente no cérebro [28] para que ele possa controlar dispositivos, como no caso das próteses para amputados ou paraplégicos. Um estágio mais avançado seria implantar os próprios dispositivos de interação, miniaturizados, no corpo das pessoas, tornando o ser humano um “ciborgue” (organismo cibernético). Não é uma coisa tão futurista, já temos dispositivos implantados em seres humanos, um exemplo é o marca-passo para cardíacos. Mas fazer implantes de forma generalizada, sem indicação médica, é outro patamar. Existem segmentos da sociedade que seriam totalmente favoráveis a esse nível de intervenção ou mesmo a outros mais amplos, em troca de possíveis benefícios, como seria o caso dos adeptos do Transhumanismo [29]. Entretanto, esse nível de interação entre homens e sistemas ainda representa uma parcela reduzida da população, casos específicos, muitas iniciativas permanecem na área da pesquisa acadêmica. É possível que aplicações com alto potencial de uso entre a população, como se espera que seja o Metaverso ou o próprio “desaparecimento” do atual Smartphone, incentivem essas pesquisas a obterem métodos invasivos passíveis de maior aceitação em grande escala. Também é possível que o desenvolvimento das pesquisas torne possível que algumas interações invasivas de hoje possam ser feitas de forma não invasiva amanhã. Algumas pesquisas começam a considerar interações entre dispositivos usando a física quântica (entrelaçamento entre partículas).
Portanto, ainda não é possível afirmar com certeza qual das opções que temos hoje será a solução.
Se teremos um desenvolvimento dos HMD com a incorporação de mais funções e sensores para acesso e interação, os tornando menores, mais leves, mais discretos, mais baratos, substituindo os Smartphones no nosso uso diário. Ou se teremos a permanência do Smartphone, ao contrário do que dizem os futuristas, com um novo design, incorporando funções de HMD e ainda mais sensores para aumentar a interação. Ou se ainda teremos um conjunto de dispositivos independentes como afirmam os futuristas, uma IoT, com cada dispositivo executando uma função específica, como display, câmera, acesso, sensor, atuador, funções de aplicação, etc. Trabalhando em cooperação junto ao usuário em óculos, relógios, fones, pulseiras, anéis, luvas, etc, somados, configurando um sistema de acesso para interação. Lembrando que, qualquer que seja a tecnologia, ela deve atingir o objetivo do usuário que é a imersão, seja ela parcial ou total.
No momento, estabelecer o que será o Metaverso é um exercício de futurologia. E estabelecer que tipos de dispositivos serão usados para interagir com o Metaverso é um exercício de futurologia elevado ao quadrado.
Estamos avaliando um período de tempo da ordem de dez anos, se considerarmos a projeção da futrologia e as projeções para o Metaverso (que eventualmente pode ter um desenvolvimento mais lento, principalmente no início [30]). Muitas inovações podem vir nesse período e já existem iniciativas, por exemplo Meta Aria [31], Google ARCore [32] e Qualcomm Snapdragon Spaces [33][34]. Os desenvolvedores de dispositivos, de redes, de aplicativos e de sistemas devem pensar nisso agora, considerando as tendências dos usuários, para terem a visão do melhor caminho a seguir e de onde investir.
Vamos continuar este assunto no webinar que já tem data para acontecer, você pode clicar na imagem abaixo e acessar de imediato o link de transmissão do Youtube:
Observação: Emilio Teixeira é aluno da formação certificada Metaverse Expert, saiba mais e seja um especialista você também: https://tudosobreiot.com.br/metaverseexpert/
Referências:
(Verificadas em 22/09/2022)
[1] Decentraland
[2] Sandbox
[3] Somniumspace
[4] Brasileiros casam no Metaverso
[5] Fotografia
[6] Cinematografia
[7] Cronologia do cinema
[8] Rádio (telecomunicações)
[9] Rádio FM
[10] Transístor
[11] Walkman
[12] Realidade virtual, aumentada e estendida
[13] Realidade mista
[14] HTC Vive Focus
[15] Galea
[16] Telefone
[17] Telefone Celular
[18] História do telefone celular
[19] iPhone
[20] 9 em cada 10 brasileiros usam celular Android, diz relatório do Google
[21] Pesquisa estima que metade da população mundial tem smartphones
[22] ARCANJO, Daniela. Celular se isola como principal plataforma dos gamers no Brasil, Caderno Mercado, Folha de S. Paulo, 5.mai.2022
[23] 6 problemas que você terá se usar o celular por muito tempo
[24] Óculos de Realidade Aumentada HoloLens 2 – Microsoft
[25] Óculos De Realidade Aumentada Google Glass Enterprise Edition 2
[26] Os smartphones vão desaparecer do mercado em 10 anos
[27] A Samsung está prevendo o fim dos smartphones; saiba por que
[28] Impante Cerebral
[29] Transhumansimo
[30] Metaverso de US$ 1,2 bilhão tem apenas 38 usuários ativos, afirma relatório
[31] Meta Project Aria
[32] Google ARCore
[33] Qualcomm Snapdragon Spaces
[34] Telefónica e Qualcomm unem-se por realidade estendida (XR)